A caminho da zona leste de São Paulo, é impossível ignorar a torre única do Edifício Platina 220. Da Avenida Alcântara Machado, a mais ou menos 1,5 km do endereço, ela desponta e rasga o horizonte. Com 172 metros, prestes a ser inaugurado, o prédio no Tatuapé toma a posição de mais alto da capital, que foi, por mais de cinco décadas, do Mirante do Vale (170 metros), no centro. A edificação, que começou a ser levantada em 2018, terá inauguração marcada por uma série de eventos na última semana de agosto e na primeira de setembro – um deles será uma visitação para o público em geral, com ingressos limitados.
Tudo no prédio multiuso é superlativo. Cinquenta pavimentos, contando andares técnicos e três subsolos. De terreno, são 6,4 mil m² e 57 mil m² de área construída. Além disso, um total de 3,9 mil toneladas de aço e 32,3 mil m³ de concreto.
O edifício faz parte de um projeto maior, chamado Eixo Platina, comandado pela incorporadora Porte Engenharia e Urbanismo, que trabalha numa área que engloba Tatuapé, Belém, Vila Carrão, Vila Formosa, Água Rasa e Mooca. O polo urbanístico é paralelo à Radial Leste, fica entre as estações do Metrô Belém, Tatuapé e Carrão, e tem como base a Rua Platina. No total, a 1ª fase do projeto inclui seis prédios, que já foram aprovados ou estão em fase final do processo de aprovação na Prefeitura.
Conforme Moniza Camilo, coordenadora de Ciência Urbana da construtora, um dos objetivos é fazer com que a zona leste deixe de ser apenas “dormitório”, evitando deslocamentos para estudar, consumir, se divertir e trabalhar. A ideia é reunir várias dessas possibilidades nesse lugar e, diz ela, o eixo deve se assemelhar ao que se vê na Avenida Paulista, e não à Berrini ou à Faria Lima. O moderno e alto edifício já contrasta com o comércio popular e casas antigas e baixas dos arredores.
Entre os moradores da região, o prédio que ocupa o número 220 da Rua Bom Sucesso, próximo ao Metrô e ao Shopping Tatuapé, provoca admiração e esperança de mais protagonismo para o bairro, mas também preocupações sobre encarecimento da região e complicações no trânsito.
Urbanistas ouvidos pelo Estadão falam que o maior prédio da cidade estar na zona leste – fora do centro expandido e do chamado quadrante sudoeste -, é “simbólico”. Para eles, existe a possibilidade de uma “nova centralidade terciária”. Por outro lado, levantam preocupações sobre um possível apagamento da memória do bairro e êxodo da população mais pobre com a valorização imobiliária.
Arranha-céu
O objetivo do Platina 220 nunca foi ser o mais alto da cidade, dizem os envolvidos no projeto. Conforme Moniza, ficar grande foi uma “consequência” aos usos que a “região necessitava” e também do que a legislação permitia para a área. A torre única favoreceu a “fachada ativa”. Com o prédio mais afastado da rua, foi possível fazer doação de área à Prefeitura, para aumento de calçada e área verde.
“A calçada aqui era de 2,5 metros. Hoje tem pedaços que têm cinco, seis metros”, fala Oscar Favero, diretor de Engenharia. Composto por 19 lojas e sem grades, a ideia é trazer vida ao térreo. “Se tem um muro, te limitando, traz insegurança, não faz o prédio conversar com o entorno. Por isso, a gente trouxe a fachada ativa e tentou recuar a torre”, adiciona Moniza.
O Platina 220 não é um edifício corporativo, nem residencial ou hotel, mas promete ser tudo isso ao mesmo tempo. É dividido em quatro tipos de unidades: apartamentos compactos, quartos de hotel, salas comerciais (offices) e lajes corporativas.
Mas para organizar o público, controles de acesso fazem a divisão. Isso quer dizer que quem vive no residencial não terá acesso ao corporativo e vice-versa, por exemplo. A única exceção fica no 1º andar, onde hotel e residencial compartilharão uma área de lazer, com piscina, restaurante e academia, além de uma lavanderia.
No térreo, além das 19 lojas, ficam quatro entradas e cada uma terá uma portaria. Já no subsolo, onde ficam mais de 500 vagas de garagem, as caixas de elevador são divididas por uso e sinalizadas pelas cores na parede. Verde para o residencial; laranja, hotel; e cinza, corporativo e offices. Também há dois elevadores de transferência (transfers), que levam o visitante até o térreo.
Elevadores, aliás, é algo que não falta no Platina. Para atender quatro públicos, são 20 equipamentos, que são bastante rápidos – alguns atingem velocidades de 4 m/s. A reportagem pegou um deles do -1 (subsolo) até o 46, e levou cerca de 51 segundos no trajeto – pouco mais de um segundo por andar. Com a pressão, dá até para ter a sensação de “ouvido entupido”. O residencial e o hotel dividem do 1º ao 10º andar. Os 190 quartos do hotel, de 19 m² a 49 m², em corredores em formato de “U”, ficam à direita; já os 80 apartamentos compactos, de 35 m² e 57 m², à esquerda.
A metragem reduzida que se configura em studios ou unidades com dois quartos, mira uma demanda reprimida, conforme Moniza. “Não tinha, aqui na região, um produto que olhasse para o jovem. A gente via muito aqui a questão da família. A maioria dos jovens estavam saindo da zona leste, indo para outras regiões.” Como o Estadão mostrou em maio, a capital paulista tem visto um boom de apartamentos compactos, com 250 mil imóveis lançados em seis anos, sobretudo em bairros nobres.
Do 12º ao 23º andar, ficam 195 salas comerciais, com unidades de 26 m² a 49 m². Elas serão ocupadas por escritórios menores ou consultórios médicos, por exemplo. Mais perto das nuvens, entre os andares de número 25 e 46, ficam as lajes corporativas. Serão duas por andar, somando 50 no total. Elas têm metragens de 250 m² a 500 m².
O 47º pavimento é técnico, que abriga instalações elétricas e hidráulicas. Acima dele, fica a laje de cobertura. Ela está preparada para ser um heliponto, mas essa será uma decisão do condomínio. No dia em que a reportagem visitou-o, em uma pequena janela de tempo, foi possível avistar ao menos dois helicópteros passando perto do edifício.
Daquela altura é possível ter uma visão 360º de São Paulo. Alguns prédios, que do chão parecem gigantes, ficam pequenos. O Residencial Figueira Altos do Tatuapé – da mesma incorporadora e o maior prédio residencial de SP -, só quatro metros menor, parece ter altura “normal”. Isso também se deve à depressão na qual está localizado.
Desafios
Por mais que São Paulo seja conhecida pelos arranha-céus, construções com mais de 150 metros não são tão convencionais. Conforme a base de dados da organização internacional Council on Tall Buildings and Urban Habitat (CTBUH), são apenas 16, o que coloca a cidade em 84ª do ranking liderado por Hong Kong, na China, que tem 546.
A obra chegou a ter simultaneamente 450 trabalhadores no momento de pico. Conforme ganhava altura, distribuí-los pelos andares por um elevador cremalheira ficava mais demorado. “O tempo que demora para esse elevador subir e descer, deixar as pessoas e os materiais nos andares, é muito maior do que em um prédio de altura baixa”, conta Favero. Bombear concreto também não foi tarefa fácil. Foi preciso importar equipamentos, uma vez que as bombas convencionais não conseguiam fazer o trabalho.
Intempéries
Na quarta-feira, 10, um vídeo das torres do Yachthouse Residence Club, em Balneário Camboriú (SC), com 280,3 metros, conhecidas como prédio do jogador de fuebol Neymar (o jogador comprou uma das coberturas), balançando viralizou. Por ora, elas são o maior edifício do País, porém, quando for entregue, a One Tower, também na cidade catarinense, com 290 metros, ficará com o cargo.
Segundo Favero, é admissível que uma porcentagem da altura de um prédio mexa. “A solidez de um prédio fica no centro, onde ficam os elevadores e a caixa de escadas”, explica. “O que segura é o miolo do prédio, que é calculado para mexer o mínimo possível para não causar desconforto. Mas é possível mexer sem dano à estrutura.”
Mesmo com os ventos fortes da semana passada, que chegaram a ultrapassar os 70 km/h, causados pela chegada de um ciclone extratropical, o Platina se manteve estável, assegura o engenheiro. Porém, para se prevenir de intempéries e ficar dentro dos limites da norma de flexibilidade, a incorporadora contratou um estudo com túnel de vento do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).
Outra diferença em relação ao “prédio do Neymar”, conforme Favero, está na fundação. A do Yachthouse fica na areia, já a do Platina, em terra firme. Ela demandou escavação de 60 mil m3 de terra e é composta por “estacas-hélice”. O bloco central – coração da estrutura -, com mais de três metros, levou dois dias para ser concretado e 112 betoneiras precisaram ser usadas no processo. Foram usados 800 m3 de concreto nele. Há ainda 160 m2 de placas solares instaladas acima do hotel e do residencial, o que servirá para aquecimento de água das unidades.
Nova fase da verticalização do Tatuapé
O novo prédio é uma das marcas, segundo urbanistas, de nova fase da verticalização no Tatuapé, com foco no multiuso – empreendimentos que mesclam unidades residenciais, comerciais e corporativas. Os especialistas temem, no entanto, êxodo da população mais pobre com a valorização imobiliária, além do risco de apagamento da memória da região. Entre os moradores da área, a edificação desperta admiração e esperança de protagonismo, mas também o medo de preços altos e trânsito travado.
A incorporada Porte Engenharia e Urbanismo, responsável pela edificação, destaca que quer impedir o “êxodo” que já ocorre diariamente na região – da zona leste rumo a bairros mais centrais, ao trazer empreendimentos de multiuso. A empresa afirma que projetos passaram por avaliação “criteriosa”, que incluiu pesquisa com moradores e trabalhadores locais.
“O que a Porte tenta fazer com a implantação do Eixo Platina e estruturação da região leste, mais pontualmente no Tatuapé, é tentar melhorar a lógica urbana, justamente para otimizar o trânsito que já é o vilão na cidade como um todo”, afirma Moniza Camilo, coordenadora de Ciência Urbana da incorporadora.
Frente à imponente construção, não é incomum se deparar com quem puxe o celular para fazer um registro. Francisca Moreira, de 70 anos, conta que já garantiu o dela. “Maravilhoso”, descreve o novo prédio. Já a vendedora Andressa Rodrigues, de 22 anos, nascida e criada no Tatuapé, prevê que a torre vai virar ponto turístico.
Roberto Sérgio Lopes, de 64 anos, tem uma loja de artesanato há 15 anos em uma rua próxima. Por um lado, espera um aumento do fluxo de clientes, por outro já se preocupa com congestionamentos. “É uma rua pequena, de mão dupla. Não é uma avenida.” O prestador de serviços Claudinei Francisco, que trabalha na região, avalia que o custo de vida vai crescer ainda mais. “Quase não frequento ali para baixo, porque é um ambiente muito caro”, diz ele, de 45 anos.
Para onde a cidade deve crescer?
“São Paulo tem uma demanda habitacional muito grande. Aquele padrão de crescimento horizontal hoje é totalmente inviável, porque a cidade alcançou seus limites ambientais”, explica Nabil Bonduki, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP), que foi relator do Plano Diretor da cidade, em 2014.
Essa legislação, explica ele, incentiva adensar as zonas de estruturação e transformação urbana – sistema de transporte público coletivo – com edificações de multiuso. “A política de adaptação da cidade frente às mudanças climáticas requer cidades mais compactas, menos espalhadas.”
A arquiteta e urbanista Cirlene Mendes da Silva, do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de São Paulo (Ibape), acredita que o Eixo Platina – projeto do qual o Edifício Platina faz parte – pode trazer “vitalidade” para a região, atraindo público, empreendedores e investidores. A construção desse polo urbanístico foi objeto de estudo da dissertação de mestrado de Cirlene.
Também arquiteto e urbanista, Lucas Chiconi considera o fato de prédio mais alto estar na zona leste como “simbólico”, mas vê a valorização imobiliária como um risco. Ele também teme um apagamento da memória da região, criticando a demolição da Vila Operária João Migliari, em 2019, para erguer um dos empreendimentos do eixo. Segundo ele, a saída de moradores da vila e a venda de um projeto que não é para todos exigem reflexão. “Não é uma questão de não fazer, mas como fazer”, argumenta.
Moniza, da Porte, informa que o eixo ainda está na 1ª fase e uma 2ª já está sendo pensada. Para essa outra etapa, adianta, edifícios populares têm sido cogitados. A incorporadora aponta ainda que a demolição foi “legal” e que algumas casas já estavam “impróprias” para se viver.
A Prefeitura diz que “não incidia legislação preservacionista” sobre a Vila João Migliari quando da demolição, que foi deliberada só posteriormente. “Após a publicação da resolução de abertura de processo de tombamento dos conjuntos residenciais Migliari, foi solicitada a revogação de alvarás de demolição, em consonância com orientações jurídicas e legislação vigente, garantindo a permanência dos remanescentes” da vila e de outros conjuntos, destaca a Secretaria Municipal da Cultura.
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